Reciclagem Química do Dióxido de Carbono

Como a química tenta combater as mudanças climáticas ao transformar o mais famoso dos gases de efeito estufa em matéria-prima para a indústria

Junto com o metano (CH₄) e o óxido nitroso (N₂O), o dióxido de carbono (CO₂) é apontado como responsável pelo aumento de temperatura no planeta Terra.

Além de ajudar no desenvolvimento e na implementação de energias limpas como a solar e a eólica, pesquisadores tentam mitigar o impacto causado pelas emissões de dióxido de carbono (CO₂) oriundas da queima de combustíveis fósseis.

Uma das alternativas levantadas pelos cientistas é reciclar o CO₂ que já foi e continua sendo liberado na atmosfera transformando-o em matéria-prima para a indústria, o que substituiria, em parte, o petróleo como fonte primária de insumos químicos.

O Que Está Sendo Feito?

Evidências históricas e científicas têm apontado para um aumento consistente dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera a partir do período pré-industrial, em torno da década de 1750, até os dias atuais. Durante o mesmo intervalo de tempo, a temperatura média global aumentou cerca de 0,8 °C, o que, segundo cientistas e pesquisadores da área, pode estar relacionado ao aumento do gás carbônico emitido pela atividade humana durante esse período.

Dados científicos apontam para um maior aquecimento do planeta até o final do século XXI.
Crédito: Symbolbild/Imago

O Acordo de Paris, um compromisso mundial assinado por 195 países, tem como principal meta a adoção de políticas climáticas para a redução da emissão de gases de efeito estufa como o dióxido de carbono, o metano (CH₄) e o óxido nitroso (N₂O). Em relação ao CO₂, o Acordo de Paris busca alcançar uma pegada de carbono neutra até o ano de 2050 por meio de técnicas de Remoção do Dióxido de Carbono (Carbon Dioxide Removal, CDR, em inglês), ou seja, zerar as emissões líquidas do gás em escala global até a metade do século XXI seja por meio de métodos naturais ou artificiais.

Dentre as metodologias de CDR naturais podem ser citadas as práticas de (re)florestamento e de manejo do solo, abordagens que removem o dióxido de carbono atmosférico armazenando-o como biomassa e também no próprio solo, práticas diretamente relacionadas aos setores do agronegócio e de geração de bioenergia (biocombustíveis). Já os métodos artificiais de CDR consistem em tecnologias de captura direta do ar, captura e estocagem de carbono, e captura e utilização de carbono e são a principal escolha da indústria química para mitigar os efeitos do CO₂.

Captura Direta do Ar (Direct Air Capture, DAC)

A remoção do gás carbônico diretamente da atmosfera é conhecida como Captura Direta do Ar (Direct Air Capture, em inglês) e, segundo especialistas, ainda não passa de uma miragem. Tal afirmação se dá, pois, a concentração do gás presente no ar é muito baixa, da ordem de 0,04%, e exige o uso de quantidades tão grandes de energia, solventes e reagentes que a implementação dessa tecnologia irá produzir um novo problema ambiental durante as etapas que antecedem a remoção do CO₂ da atmosfera.

Captura e Armazenamento de Carbono (Carbon Capture and Storage, CCS)

Já a captura do gás diretamente em unidades industriais, conhecida como Captura e Estocagem de Carbono (Carbon Capture and Storage, em inglês), apresenta a vantagem de operar sob concentrações mais elevadas de CO₂.

Tal tecnologia possui 21 unidades em operação no mundo todo, uma inclusive no Brasil: em uma plataforma de extração de gás na Bacia de Santos. Ali, a Petrobras retira o CO₂ e o reinjeta no poço para diluir o petróleo e facilitar seu bombeamento, técnica conhecida como recuperação avançada de petróleo (enhanced oil recovery, EOR, em inglês). No mundo, unidades produtoras de etanol, indústrias siderúrgicas e de extração de petróleo utilizam esse sistema.

Como a CCS pode alcançar reduções significativas das emissões do gás carbônico, ele é considerado uma opção fundamental dentro do portfólio de abordagens necessárias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Entretanto, por apresentar maior oferta que demanda, o dióxido de carbono capturado a partir das técnicas DAC e CCS é encarado como um grande passivo econômico para a indústria química, o que levantou sérias dúvidas quanto ao seu uso como matéria-prima. Para contornar esses problemas, cientistas passaram a mimetizar a natureza com processos que conseguiam reciclar o CO₂ com certo grau de eficiência.

Captura e Utilização de Carbono (Carbon Capture and Utilization, CCU)

A possibilidade de obtenção de alguns produtos químicos e de grande importância comercial a partir do dióxido de carbono se encaixa perfeitamente na estratégia de reciclagem de gases de efeito estufa, especificamente para este caso, a reciclagem de CO₂.

Essa alternativa, designada como Captura e Utilização de Carbono (Carbon Capture and Utilization, em inglês), começou a ganhar muito destaque justamente porque pode mitigar o efeito das emissões de gás carbônico ao captura-lo e, ao mesmo tempo, transformá-lo em insumo para a indústria.

Os desafios associados à conversão do CO₂ estão relacionados principalmente a sua estabilidade cinética e termodinâmica, o que requer grandes quantidades de energia para sua transformação. Assim, dois pontos devem ser considerados nesse cenário:

1) o uso de fontes renováveis de energia – para que o processo não libere mais CO₂;
2) a obtenção de produtos viáveis do ponto de vista comercial – para tornar os processos de reciclagem de CO₂ economicamente competitivos.

Nesse sentido, três aplicações da tecnologia CCU começam a ganhar destaque em setores industriais preocupados com a sustentabilidade: a produção de compostos químicos, a geração de combustíveis sintéticos e a mineralização do dióxido de carbono.

Compostos Químicos

Atualmente, a conversão industrial de CO₂ em produtos químicos de valor agregado é realizada por um número limitado de processos comerciais. Os dois exemplos mais notáveis são a síntese do ácido salicílico (C₇H₆O₃) por meio do processo Kolbe–Schmitt, criado ainda no século XIX (Esquema 1a), e a síntese da ureia (CH₄N₂O) utilizando o processo Bosch–Meiser, desenvolvido em 1922 (Esquema 1b).

Esquema 1. Produção industrial do a) ácido salicílico e da b) ureia. Crédito: Profissão Químico.

Entretanto, processos que operam em menor escala industrial também ganham destaque, tais como os de produção de carbonatos cíclicos pela Saudi Aramco, de policarbonatos pela Asahi-Kasei e de poliois poliméricos pela Covestro.

Dentro de uma estratégia industrial, tecnologias emergentes que utilizam a técnica CCU podem representar uma boa vantagem competitiva frente ao mercado de conversão de CO₂. Pensando nisso, algumas companhias já vislumbram mudanças na forma de consumo da sociedade e começam a investir em processos sustentáveis que ajudem a mitigar o impacto das emissões de dióxido de carbono.

Combustíveis Sintéticos

A transformação do dióxido de carbono em compostos químicos é, por si só, um passo muito bem-vindo para mitigar os impactos que esse gás tem sobre o clima do nosso planeta. Contudo, a demanda do mercado por tais produtos ainda é pequena quando comparada à imensa disponibilidade de CO₂ como matéria-prima.

Nesse sentido, a utilização desse gás para a síntese de combustíveis, principalmente combustíveis líquidos, une aspectos de extrema importância para a implementação de tecnologias do tipo CCU, tais como a geração de produtos com grande procura no mercado e que justifiquem o elevado investimento financeiro necessário para tal operação.

Além disso, a troca de matéria-prima do petróleo pelo dióxido de carbono, para a produção de combustíveis, pode “neutralizar” o carbono resultante de sua queima pelo menos para o setor de transportes, o qual é o maior responsável pelas emissões antropogênicas de CO₂ na atmosfera.

Para gerar esses combustíveis sintéticos, as principais rotas químicas adotadas pelas indústrias fazem uso:
1) de reações que transformam o CO₂ em monóxido de carbono (CO ou em gás de síntese, uma mistura de (CO) e hidrogênio (H₂) muito empregada em processos Fischer-Tropsch para a síntese de hidrocarbonetos (Esquema 2a);
2) de reações de hidrogenação direta do dióxido de carbono para a geração de compostos oxigenados (Esquema 2b).

Esquema 2. Crédito: Profissão Químico.

Com regras de emissões cada vez mais rigorosas e planos de banir o uso de motores movidos a combustíveis fósseis nas próximas décadas, empresas europeias são as maiores interessadas no desenvolvimento dos combustíveis sintéticos, chamados de e-fuel, produzidos a partir de fontes sustentáveis.

Companhias do setor automotivo acreditam que os veículos que utilizam motores a combustão não devem desaparecer em um futuro próximo e que eles serão utilizados por mais tempo do que havia se imaginado. Empresas como McLaren, Porsche e Audi (que batizou o seu combustível sintético de e-benzin) apostam no aperfeiçoamento da tecnologia de produção do e-fuel, o qual poderá se tornar viável economicamente ao se beneficiar da infraestrutura de abastecimento já existente.

Além disso, cada vez mais preocupado com fatores ambientais e de sustentabilidade, o setor de aviação vê com bons olhos a geração de combustíveis sintéticos como o e-querosene. Isso porque, nas condições tecnológicas atuais, ainda é inviável a eletrificação dos aviões de passageiros e de carga, uma vez que a quantidade de baterias necessárias para o deslocamento do avião excederia o peso suportado pela aeronave.

Processos de Mineralização

O setor da construção civil é o segundo tipo de atividade humana que mais emite dióxido de carbono na atmosfera ficando atrás apenas do setor de transportes. Com o intuito de diminuir essas emissões e buscar maior sustentabilidade operacional, o setor de construção civil começa a aplicar os conceitos de reciclagem de CO₂ em seus processos.

Chamados de mineralização ou de carbonatação mineral, esses novos processos usam o dióxido de carbono para produzir alguns materiais usados na construção de casas e edifícios como agregados e concreto. De uma forma geral, a mineralização oferece uma excelente alternativa para a utilização do gás carbônico porque:
(1) os carbonatos sólidos, os principais produtos das reações de carbonatação mineral, já são usados nos mercados de materiais de construção;
(2) a química envolvida na produção de carbonatos à base de cálcio (Ca) e magnésio (Mg) já é bem conhecida (Esquema 3);
(3) a mineralização pode consumir grandes quantidades de CO₂ (1-4 Gton/ano) e armazená-lo quimicamente em carbonatos minerais estáveis e de longo tempo de vida (Esquema 3);
(4) a reação do CO₂ com sólidos alcalinos é termodinamicamente favorável, o que implica pouca ou nenhuma energia extra no processo.

Realidade vs. Perspectivas

Apesar dos inúmeros desafios relacionados à escalabilidade tecnológica e à viabilidade financeira de processos químicos que transformem o dióxido de carbono em produtos com maior valor agregado, o desenvolvimento de novas operações industriais baseadas na técnica de CCU começa a apresentar seus primeiros resultados comerciais, seja pela geração de compostos químicos, pela produção de combustíveis sintéticos ou pela mineralização do CO₂ aplicada na fabricação de materiais para a construção civil.

Caso os produtos originados a partir da reciclagem do gás carbônico apresentem, de fato, um balanço financeiro e energético positivo, as políticas econômicas e ambientais em relação ao dióxido de carbono poderão mudar até mesmo no curto prazo. Além disso, empresas ou países que aperfeiçoarem e detiverem as tecnologias de captura e conversão desse gás receberão imensos aportes de capital, o que aquecerá ainda mais o mercado de carbono e a economia dos setores industriais preocupados com o meio ambiente.

E para que tudo isso seja, de fato, implementado e considerado sustentável, é imprescindível o uso de energias renováveis como a solar e a eólica, a troca do petróleo pela biomassa como fonte de matéria-prima, a adoção de políticas governamentais mais rígidas quanto à emissão de gases de efeito estufa e, por fim, a mudança de comportamento da sociedade em relação a produtos de origem reciclada, produtos que podem ajudar na recuperação da natureza por serem baseados em processos verdadeiramente mais verdes.


📙 Referência: The Story of CO₂: Big Ideas for a Small Molecule, por Geoffrey Ozin e Mireille Ghoussoub (Editora Aevo UTP, 2020).

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