Embora seus efeitos ainda sejam parcialmente desconhecidos, cientistas especulam que as micropartículas de plástico possam carregar substâncias químicas prejudiciais para a saúde humana a longo prazo
Nos últimos anos, diversas pesquisas científicas encontraram pedaços de plástico variando entre 0,1 e 5 milímetros, os famosos microplásticos, em inúmeros pontos do nosso planeta, lugares que iam desde o monte Everest, passando pelas profundezas da Fossa das Marianas e chegando até a neve da Antártida. Isso sem falar os lugares mais comuns como os lagos, rios e praticamente todos os oceanos da Terra. Agora, pesquisadores começam a detectar que os micropedaços de plástico estão se aglomerando em um lugar ainda mais próximo e muito mais perigoso: dentro do nosso corpo.
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A Presença de Microplásticos na Placenta, no Sangue e em Pulmões Humanos
O estudo “Plasticenta: First Evidence of Microplastics in Human Placenta”, publicado no início de 2021 pela revista científica Environment International, constatou a presença, pela primeira vez na história, de microplásticos na placenta de quatro mulheres.
Os fragmentos variavam entre 5 e 10 micrômetros, com cinco deles próximo ao feto, quatro no lado materno e três nas membranas que dividem a placenta. Todos os microplásticos eram pigmentados e ao menos três deles foram identificados como polipropileno (PP), resina termoplástica muito utilizada em cadeiras, brinquedos e tampas de garrafas PET. A teoria é que as partículas tenham chegado às placentas por meio da alimentação ou até mesmo da respiração das mães.
Segundo os autores do trabalho, o achado é “motivo de grande preocupação para a sociedade já que esses fragmentos podem carregar compostos químicos nocivos ao ser humano”.
Embora os efeitos reais dos microplásticos sobre a nossa saúde ainda sejam pouco conhecidos, especialistas acreditam que, por deixarem de ser inertes em escala micro (e até nano), os micropedaços de plástico possam ser prejudiciais a longo prazo e danosos ao desenvolvimento do sistema imunológico dos fetos.
Já o estudo “Discovery and Quantification of Plastic Particle Pollution in Human Blood”, publicado pela mesma revista, investigou amostras de sangue de 22 pessoas adultas saudáveis. Conforme o trabalho apontou, o poliestireno (PS), conhecido como isopor e muito utilizado em embalagens, foi encontrado em 8 dos voluntários, o polietileno (PE), da qual são feitas as sacolas plásticas de mercado, estava presente no sangue de 5 das pessoas analisadas, e o polietileno tereftalato (PET), das garrafas de água e refrigerante, foi encontrado em 11 das amostras de sangue coletadas.
No geral, foram encontrados microplásticos em 17 dos 22 voluntários, uma taxa impressionante de quase 80% dos casos. Os cientistas ficaram espantados com a descoberta e ligaram um sinal de alerta em relação à presença das partículas de plásticos no sangue humano uma vez que, em experimentos de laboratório, os microplásticos geralmente são capazes de destruir células humanas.
A descoberta sugere que as micropartículas podem utilizar o sistema circulatório para viajar pelo corpo humano e se alojar em qualquer um dos órgãos. Tal cenário mostra-se cada vez mais perigoso para a saúde humana, já que grandes quantidades de resíduos plásticos são descartadas de forma inadequada no solo e em rios e lagos, o que deixa boa parte da população vulnerável à contaminação tanto pelo consumo de água e alimentos expostos a essas partículas quanto pela inalação do ar contaminado.
Por sua vez, a pesquisa intitulada “Detection of Microplastics in Human Lung Tissue using μFTIR Spectroscopy”, publicada na revista Science of The Total Environment, encontrou 12 tipos diferentes de microplásticos nos pulmões de 11 dos 13 voluntários do trabalho sendo os principais o polipropileno, o poliestireno e o famoso PET.
Outros estudos já tinham coletado microplásticos em amostras de pulmão obtidas a partir da autópsia de cadáveres humanos. Contudo, segundo os cientistas, este é o primeiro trabalho de pesquisa completo a detectar a presença desse tipo de material em pulmões de pessoas vivas.
Para o espanto dos pesquisadores, as micropartículas se alojaram principalmente na parte inferior do órgão, onde as vias aéreas são mais estreitas. Dos 39 pedaços de plástico coletados, 11 estavam na parte superior do pulmão, sete na região média e 21 na inferior, o que é algo surpreendente, mas não de uma forma boa! Conforme o relato dos pesquisadores, as vias aéreas do pulmão são muito estreitas, então ninguém imaginaria que os resíduos, que medem cerca de 3 micrômetros, pudessem chegar nessa região tão profunda dos órgãos.
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Praticidade vs. Custo Ambiental
O uso do plástico em larga escala está mal completando um século e a discussão sobre os seus benefícios (e malefícios) é tema de debates acalorados entre os defensores do seu uso e aqueles que pedem o seu banimento. O plástico é uma espécie de vilão carismático, aquele que é atacado quando são exibidas reportagens mostrando seu impacto sobre o meio ambiente, mas que, ao mesmo tempo, torna a vida tão cômoda quando nossa comida chega ainda quentinha ao chamarmos uma tele-entrega.
É inegável a praticidade, o bem-estar e a importância que a introdução do plástico causou para a sociedade. Seus reflexos podem ser vistos desde a densidade populacional nas cidades, já que sem plástico a dinâmica da agricultura seria outra e, portanto, exigiria maior quantidade de mão de obra no campo, até a maior destruição dos biomas terrestres (e quem sabe até a extinção deles), uma vez que na falta de um material sintético, a população teria continuado com a extração de madeira para a geração de embalagens, móveis e outros produtos que hoje têm o plástico como base da sua manufatura.
Isso sem levar em conta o elevado consumo dos materiais que um dia ocupavam o espaço que o plástico toma agora: por exemplo, todo o metal que fazia parte dos carros antigos e o vidro que trazia os refrigerantes até nossas mesas. Esses casos sintetizam uma característica pouco abordada na discussão sobre o uso ou não dos plásticos: o seu transporte.
Produtos pesados como os automóveis antigos feitos basicamente de aço e as garrafinhas de vidro, que ainda existem hoje em dia, mas em menor escala, consomem muito mais combustível para serem levados de um lugar para outro, o que acaba, consequentemente, emitindo muito mais dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera, além de despejar na natureza particulados de asfalto e de borracha dos pneus dos caminhões que os transportam.
Contudo, outras tantas situações poderiam ter sido evitadas caso o plástico não tivesse sido introduzido na economia. A principal delas talvez seja a poluição desenfreada causada pelo seu descarte inadequado.
A contaminação da natureza por esse material sintético inicia já na extração do petróleo (matéria-prima fundamental para a produção dos plásticos), passa pela indústria (que o transforma no plástico como o conhecemos) e chega até o consumidor final: nós, que em pleno século XXI ainda não sabemos como descartar adequadamente cada tipo de plástico e que consumimos cada vez mais produtos contendo esse material tão controverso.
E quando se fala da poluição causada pelo descarte do plástico, a primeira imagem que nos vem à mente é aquela do oceano repleto de sacolas plásticas e garrafas de água, onde esses resíduos vão se aglomerando e formando verdadeiras ilhas flutuantes de plástico. Porém, o que ainda é pouco difundido entre a sociedade é a quase onipresente contaminação da natureza por microplásticos: justamente por não serem visíveis a olho nu é que eles se tornaram um enorme perigo para o meio ambiente!
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Um Macroproblema Emergente
Basicamente, todos os tipos de plásticos usados na indústria são capazes de gerar microplásticos e essa fragmentação decorre da sua exposição às intempéries do meio ambiente, seja ele terrestre ou aquático. Essa quebra em pequenos pedaços pode ser gerada por meio da biodegradação (ação por micro-organismos), fotodegradação (ação da radiação ultravioleta), degradação térmica (influência da variação de temperatura), degradação termo-oxidativa (oxidação em temperaturas moderadas) e hidrólise (reação química com a água).
Estima-se que a poluição de origem primária, plásticos liberados no meio ambiente principalmente por meio resíduos industriais, represente entre 15%-30% dos microplásticos encontrados nos oceanos (ecossistemas onde a concentração desses contaminantes é mais elevada), enquanto que a poluição de origem secundária, a partir dos plásticos depositados (por nós, seres humanos) na natureza após seu fim de vida útil, contribua com os 70%-85% restantes.
A partir dessa poluição, a ação do meio ambiente fragmenta cada garrafinha de água, cada bandeja de isopor e cada sacolinha de supermercado em pedaços cada vez menores até que eles se tornem imperceptíveis a olho nu: e é nesse ponto que o perigo dos plásticos, agora microplásticos, torna-se crítico!
Por estarem, virtualmente, presentes em todos os lugares, os microplásticos têm grande potencial para alterar a biota e os ecossistemas, terrestres e marinhos, do nosso planeta como um todo. Esse tipo de poluição tem efeitos ainda não totalmente quantificados e entendidos, e por isso é preciso ainda muita pesquisa científica para caracterizar esses materiais, estudar a extensão da sua distribuição na natureza, suas concentrações, seus efeitos sobre os seres vivos e como removê-los do meio ambiente.
O que se sabe até o momento é que, por serem muito pequenos (com alguns pedaços cuja dimensão está na escala de nanômetros), os microplásticos, após serem ingeridos a partir da água que consumimos, são capazes de entrar na corrente sanguínea e atingir órgãos como os pulmões, o fígado, os rins e até o cérebro.
Além da ação física, como a sua acumulação no organismo, as micropartículas de plástico podem carregar compostos químicos nocivos à saúde dos seres vivos. Nesse caso, há dois tipos de substâncias associadas aos microplásticos: as que já vêm com o próprio plástico, utilizadas para lhe conferir propriedades especiais, como ftalatos e bisfenol A, ambos conhecidos disruptores endócrinos, ou seja, com capacidade para alterar o funcionamento do sistema hormonal; e as substâncias adsorvidas após o descarte dos plásticos no meio ambiente, que podem incluir metais pesados e poluentes orgânicos persistentes, os famosos e temidos POPs.
Qual Será a Solução?
São inúmeros os exemplos de cidades, estados e países que alteraram suas legislações com o objetivo de diminuir a poluição causada pelo descarte dos plásticos. Talvez o caso mais famoso seja a proibição do uso de canudos plásticos. Contudo, mesmo depois da aprovação dessas novas leis proibitivas, a contaminação do meio ambiente por esse tipo de material só cresceu durante o período em questão, o que evidencia o grande desafio que a sociedade terá que enfrentar nos próximos anos e décadas.
Enquanto o potencial perigo dos microplásticos ainda continua sendo motivo de investigação e as novas leis coibindo o uso de determinados utensílios plásticos não surtem efeito, outras ações podem e devem ser adotadas pela sociedade com o intuito de diminuir o impacto socioambiental causado pelo descarte dos plásticos.
1. CONSCIENTIZAÇÃO:
Conjunto de medidas de caráter educativo visando orientar a população sobre i) quais as formas corretas de descarte do lixo plástico e ii) quais medidas devem ser exigidas do poder público e dos entes privados em relação ao recolhimento desse lixo;
2. LOGÍSTICA REVERSA:
Planejamento executado entre órgãos públicos e privados e que tem como objetivo recolher as sobras de produção e os produtos plásticos após o seu uso, evitando o descarte incorreto do plástico e a contaminação do meio ambiente;
3. RECICLAGEM:
Metodologias e processos projetados para reaproveitar as sobras de produção e recuperar os materiais plásticos descartados, reinserindo-os novamente na cadeia produtiva, o que diminui a dependência de combustíveis fósseis como o petróleo;
4. MATERIAIS ALTERNATIVOS:
Busca por novos insumos e matérias-primas que causem menor impacto ambiental durante a sua produção, seu uso e após o seu descarte, dando preferência para materiais biodegradáveis e renováveis como aqueles oriundos da transformação da biomassa;
5. MENOR CONSUMO:
Conscientização em relação ao excesso de materiais plásticos consumidos por cada um de nós e que busca evitar o desperdício como um todo.
Os casos dos microplásticos encontrados na placenta, no sangue e em pulmões humanos mostram que somente a partir da ação conjunta de vários princípios é que a humanidade poderá vislumbrar um futuro no qual a poluição originada pelo uso dos plásticos não seja mais motivo de preocupação.
Outras ações como ecobarreiras em pontos estratégicos de rios e córregos a fim de coletar materiais plásticos antes que eles se espalhem por mares e oceanos, é uma medida ainda pouco explorada, mas que possui resultados expressivos no combate à poluição (não só de plástico!).
As cinco sugestões citadas no texto têm origem nos princípios da Química Verde e da Economia Circular. A primeira, conhecida também como Química Limpa, apesar de ter sido criada como conceito ainda na década de 1990, é pouco difundida, mesmo entre o setor industrial químico. Já a segunda, tem sido muito debatida na última década e tem ganhado espaço cada vez maior frente ao modelo econômico linear tradicional: aquele que extrai, produz e descarta.
Mesmo que todas as medidas de controle sejam tomadas com o intuito de evitar a contaminação do meio ambiente pelo lixo plástico e a consequente formação de microplásticos, o que irá fazer toda a diferença entre um futuro próspero e sustentável e um destino de privações e destruição do nosso planeta é a educação e a conscientização de cada pessoa já que nossas atitudes são a parte principal da solução!
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📙 Referência: Critical Review of Microplastics Removal from the Environment, Chemosphere, 2022, vol. 293, artigo 133557.