A Tecnologia Nuclear do Homem de Ferro

O inventor, cientista e super-herói criou um novo elemento, o badássio, para servir de fonte de energia do mini reator nuclear alojado em seu peito e que coloca em funcionamento as suas armaduras

Tony Stark vestindo a armadura movida a energia nuclear do Homem de Ferro. Créditos: duttaayon14008/HDQWalls.

No primeiro filme da trilogia Homem de Ferro, de 2008, durante uma viagem ao Afeganistão para demonstrar o novo sistema de armas da sua empresa, Tony Stark é atacado e sequestrado por um grupo chamado os Dez Anéis.

No cativeiro, Tony recebe a ajuda do Dr. Yinsen e juntos desenvolvem um gerador elétrico miniaturizado chamado de “Reator Arc” que age como um eletroímã capaz de proteger o coração de Stark dos estilhaços que penetraram em seu peito durante a batalha na qual foi capturado. A partir desse momento, ele utiliza o reator para energizar a armadura criada para auxiliar sua fuga da caverna e para todas as outras que viriam a ser produzidas e usadas para caracterizá-lo como Homem de Ferro.

As primeiras gerações de armaduras utilizadas por Stark eram alimentadas pelo metal paládio (Pd) e se baseavam na mesma tecnologia que havia provido energia ao dispositivo desenvolvido ainda na caverna afegã. Entretanto, Tony percebeu que com o contínuo uso das armaduras, o metal dentro do reator o estava envenenando aos poucos, o que o forçou a redesenhar totalmente a tecnologia. Assim, Stark fabricaria um acelerador de partículas no porão de sua casa e, a partir das teorias e anotações de seu pai, conseguiria sintetizar um novo elemento químico: o “badássio”, o qual não prejudicaria sua saúde e seria capaz de liberar quantidades extremamente grandes de energia para suas armaduras, deixando-as ainda mais poderosas.

E no mundo real, será que isso seria possível?

Hoje, a Tabela Periódica contém 118 elementos químicos confirmados, os quais vão desde o átomo mais simples de todo o Universo, o hidrogênio (com 1 próton em seu núcleo), até o oganessônio (com 118 prótons), um átomo que não existe naturalmente no Cosmos e que só pode entrar para a seleta lista dos elementos porque fora sintetizado em sofisticados laboratórios aqui na Terra. E é importante mencionar essa síntese artificial pois isso não acontece somente com o último elemento da Tabela Periódica.

A Tabela Periódica, organizada inicialmente por Dmitri Mendeleiev, conta com 118 elementos químicos iniciando no hidrogênio e terminando no oganessônio. Créditos: Fellipe Matheus/Pinterest.

De forma geral, o urânio (com 92 prótons em seu núcleo) é o último dos elementos químicos que podem ser encontrados na Terra sem que precisem ser fabricados artificialmente (claro, existem exceções nessa lista como o tecnécio (43 prótons), o promécio (61 prótons), o astato (85 prótons) e o frâncio (87 prótons)). A partir do elemento seguinte, o netúnio (com 93 prótons), até o oganessônio (por enquanto o elemento derradeiro da Tabela Periódica), ocorre um fenômeno que torna a existência natural desses átomos se não impossível, pelo menos improvável.

Os núcleos atômicos desses elementos, chamados de transurânicos, possuem tanta massa em um volume tão pequeno de espaço que eles acabam tornando-se instáveis. Isso não ocorre somente pela adição sucessiva de prótons ao núcleo, mas também pela de nêutrons: à medida que o núcleo atômico cresce em número de prótons, cresce a necessidade pela adição de nêutrons a fim de anular, na mesma proporção, as forças de repulsão originadas pela interação entre todos os prótons existentes no núcleo. Contudo, nem mesmo essa adição de nêutrons ao núcleo atômico é capaz de compensar a enorme repulsão formada dentro do núcleo. Assim, todos os transurânicos, como o plutônio (com 94 prótons) e o rutherfórdio (com 104 prótons), são altamente instáveis e só podem ser estudados se forem produzidos de forma artificial, seja em explosões nucleares ou em aceleradores de partículas bem maiores e mais poderosos que aquele mostrado em Homem de Ferro.

Tony Stark manipulando seu acelerador de partículas para criar o novo elemento químico badássio. Crédito: Marvel Studios.

Enquanto a detonação de uma arma nuclear não pode produzir novos elementos de forma controlada (afinal, é uma explosão atômica!), o uso de aceleradores de partículas permite a criação de novos átomos sob condições de segurança muito maiores. Nesses equipamentos, cientistas realizam colisões de diferentes átomos com o intuito fundir seus núcleos e, assim, gerar novos elementos.

Apesar do relativo sucesso da síntese artificial de elementos ao longo das últimas décadas, existe um grande problema: a instabilidade nuclear dos elementos produzidos é tamanha que os átomos se transformam rapidamente em elementos mais leves sob um processo chamado de decaimento radioativo. Consequentemente, os novos elementos sintetizados são estáveis apenas por frações de segundos, o que impacta diretamente na sua aplicação comercial (ou falta de aplicação!). Esse rápido decaimento radioativo pode levar à (i) formação de outro elemento, seja pela liberação de partículas alfa (dois prótons e dois nêutrons) ou beta (elétrons de alta energia ou pósitrons); (ii) à formação de dois ou mais elemento, pelo processo de fissão nuclear espontânea; e, principalmente, (iii) à liberação de grandes quantidades de energia. E é justamente sobre esses três pontos que pode estar baseado o funcionamento do Reator Arc de Tony Stark.

Especulações Científicas

O Reator Arc em tamanho real mostrado no filme se parece muito com os reatores de fusão nuclear que estão em fase de testes pelos EUA, Reino Unido, China e Coreia do Sul. Essa nova tecnologia utiliza temperaturas de milhões de graus Celsius para fundir dois isótopos de hidrogênio (o deutério e o trítio), originar um novo átomo (o hélio) ao mesmo tempo em que libera um nêutron e, por fim, produzir enormes quantidades de energia.

Seria esperado que a tecnologia utilizada no reator alojado no peito do super-herói tivesse o mesmo princípio de funcionamento, isto é, a fusão nuclear, porém em uma escala menor. Entretanto, a fonte de alimentação do Reator Arc em miniatura é o novo núcleo do elemento badássio sintetizado para substituir o núcleo paládio usado anteriormente. Tomando isso como premissa e extrapolando em muito os conhecimentos científicos atuais, poderíamos supor que o sistema de suprimento de energia desenvolvido por Tony tem como base não a fusão do badássio, mas sim uma mistura entre decaimento radioativo beta, fissão nuclear espontânea e fissão nuclear induzida. O novo elemento sintetizado por Tony Stark, o hipotético badássio, teria que possuir, pelo menos, 119 prótons uma vez que o último da lista, o de número atômico 118, já teria sido produzido e não seria considerado novo. Quais elementos Tony teria utilizado para sintetizar o badássio continuam a ser uma incógnita. Contudo, tomando como base a síntese do oganessônio, é possível prever que Stark usaria, pelo menos, um elemento também artificial com um número elevado de prótons para produzir o novo tipo de átomo.

Emissão de luz azul do Reator Arc no peito do Homem de Ferro pode ser um indicativo da ocorrência do efeito Cherenkov. Crédito: Phil Saunders/ArtStation.

Com tantos prótons (e nêutrons) em seu núcleo, o badássio seria altamente instável e sofreria algum tipo de decaimento. Supõe-se que, pela cor que sai do centro do reator, provavelmente a forma de decaimento seria a do tipo beta. Essa condição, isto é, o surgimento de uma cor azul em reator nucleares, é chamada de efeito Cherenkov e tem origem na emissão de luz quando uma partícula altamente energética carregada eletricamente, como um elétron (ou pósitron) (nesse caso emitido a partir do decaimento beta do badássio), passa por um meio isolante como a água ou o ar a uma velocidade maior que a da luz naquele próprio meio

Essa emissão radioativa deixa para trás um novo próton no núcleo do elemento, o qual passaria a ter mais um “agente nuclear desestabilizador”. Assim, espera-se que com tanta instabilidade, o núcleo se parta de forma espontânea originando novos elementos e nêutrons livres altamente energéticos. Esse processo, chamado de fissão nuclear espontânea, é uma forma de desintegração radioativa característica de elementos localizados após o tório (com 90 prótons) na Tabela Periódica, ou seja, de átomos muito pesados e, consequentemente, com núcleos muito instáveis.

Somado a isso, os nêutrons energéticos liberados pela fissão espontânea, poderiam iniciar um novo processo, agora induzido, sobre o núcleo de badássio alojado no reator. Dessa forma, o Reator Arc poderia funcionar também como um reator nuclear de fusão, similar àqueles encontrados em usinas nucleares como a de Chernobyl (mas neste caso com selo de garantia das Indústrias Stark!).

Todos esses três processos (o decaimento beta, a fissão espontânea e a fissão induzida) liberariam trilhões de watts em energia, a qual seria, aparentemente, transformada em eletricidade pelo Reator Arc com pouca ou nenhuma produção de calor no processo. Isso explicaria a incrível capacidade demonstrada pelas armaduras do Homem de Ferro e, principalmente, o motivo do reator miniaturizado não “fritá-lo” enquanto está em operação.

1° P.S.: o texto do artigo é uma mistura entre conceitos científicos e a história descrita no filme Homem de Ferro de 2008, mas se você conseguir montar um Reator Arc funcional com base no que foi escrito aqui, mande a foto para nós! 2° P.S.: Apesar de artigos como “‘It’s a Bird… It’s a Plane… It’s a Fusion Reactor’: Representation of Energy in Superhero Movies” e “The Materials Science of Marvel’s The Avengers—Some Assembly Required” afirmarem que o Reator Arc é um reator de fusão (e com razão devido a sua aparência), sua alimentação com núcleos de paládio e depois de badássio me levou a descrevê-lo mais como um reator de fissão.

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