Com a ajuda de modernos telescópios, entre eles o James Webb, cientistas buscam detectar vida fora da Terra
Os ingredientes necessários para o surgimento da vida estão espalhados por todo o Universo. Apesar disso, a Terra continua a ser o único lugar do Universo que sabemos conter formas de vida e é por esse motivo que detectar a existência de outros tipos de seres vivos tornou-se um dos principais objetivos da astronomia.
Muitos cientistas creem, apesar de não existirem evidências conclusivas, na possibilidade de outros planetas, além da Terra, abrigarem formas de vida, por mais simples que elas possam parecer. Estimativas sugerem a existência de aproximadamente 300 milhões de planetas potencialmente habitáveis apenas na nossa galáxia, a Via Láctea, e milhares (se não milhões) com o tamanho da Terra a uma distância de 30 anos-luz.
Além disso, a vida pode existir em regiões relativamente próximas de nós. Especula-se que aqui no Sistema Solar, em lugares que possuem água líquida como nos aquíferos subterrâneos de Marte ou nos oceanos das luas geladas de Júpiter e Saturno, Europa e Encélado, respectivamente, a vida pode ter florescido. Entretanto, a busca por vida nesses lugares, apesar de próximos ao nosso planeta, é, no mínimo, complicada pois demandaria o envio de sondas extremamente caras e que fossem capazes de coletar amostras físicas do ambiente e de enviá-las de volta à Terra.
Para contornar esses obstáculos, astroquímicos e astrobiólogos colocam suas fichas em técnicas indiretas de detecção da vida: o uso de telescópios espaciais, como o James Webb, e de instrumentos em Terra como o Telescópio Gigante de Magalhães, o Telescópio de Trinta Metros e o Telescópio Extremamente Grande da Europa.
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Em Busca de Bioassinaturas
Para detectar vida em um lugar distante do Sistema Solar, os telescópios analisam a interação da atmosfera de um determinado planeta com a luz da sua estrela principal. Conforme os pesquisadores, caso a atmosfera ou a superfície do planeta em questão tenha sido transformada pela vida, uma “bioassinatura” poderá estar presente na luz detectada pelos instrumentos dos telescópios. Ao longo dos primeiros 2 bilhões de anos, apesar de abrigar formas simples de vida, nosso planeta possuía uma atmosfera isenta de oxigênio (O₂). Assim, sua bioassinatura ou era muito fraca ou inexistente, o que dificultaria a tarefa de hipotéticos alienígenas que estivessem investigando a presença de vida na Terra primitiva. Contudo, esse cenário começou a se transformar rapidamente cerca de 2,5 bilhões de anos atrás com o surgimento de uma nova espécie de algas: as cianobactérias.
As algas azuis, como também são chamadas, usaram o processo de fotossíntese, que utiliza água (H₂O), dióxido de carbono (CO₂) e luz solar, para produzir O₂ livre, ou seja, moléculas de oxigênio que não estão quimicamente ligadas a nenhum outro elemento ou composto. Dessa forma, a partir desse momento, a atmosfera da Terra, contendo cada vez mais O₂, passou a deixar uma forte bioassinatura que, segundo os cientistas, seria facilmente detectável na luz do Sol que passasse através dela.
Quando a luz atinge a superfície de um material ou passa através de um gás, é provável que certos comprimentos de onda da luz permaneçam “presos” pelas ligações químicas presentes nas moléculas desse gás ou material. Esse aprisionamento seletivo de comprimentos de onda de luz é o motivo pelo qual os objetos são de cores diferentes.
As folhas são verdes porque a clorofila presente nelas é particularmente boa para absorver a luz nos comprimentos de onda vermelho e azul. Assim, à medida que a luz atinge uma folha, os comprimentos de onda vermelho e azul são absorvidos deixando principalmente a luz verde para refletir de volta em direção aos nossos olhos.
Dessa forma, o padrão de “falta de luz” é determinado pela composição específica do material com o qual a luz interage. É devido a esse fenômeno que astrônomos podem aprender algo sobre a composição da atmosfera ou superfície de um exoplaneta, ou seja, em essência, medindo a cor específica da luz que vem de um planeta (ou a falta dela).
Esse método, além de poder ser usado para detectar cores peculiares na superfície de um planeta, é, atualmente, empregado para reconhecer a presença de certos gases atmosféricos associados à vida como, por exemplo, oxigênio ou metano (CH₄), uma vez que esses gases deixam assinaturas muito específicas na luz.
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Telescópios Espaciais e na Terra
Para detectar essas mudanças sutis na luz proveniente de um exoplaneta potencialmente habitável são necessários equipamentos extremamente poderosos cuja capacidade de operação esteja entre as tecnologias mais sensíveis da atualidade. Por enquanto, o único telescópio capaz de tal façanha é o novo Telescópio Espacial James Webb.
Constituído por 18 células hexagonais que juntas formam um grande espelho dourado de 6 metros e meio de diâmetro, o James Webb é o mais poderoso telescópio espacial já construído. Concebido há mais de 30 anos para ser o sucessor do Hubble, sua área de captação de imagens será 6 vezes maior frente ao seu antecessor. Projetado para operar no infravermelho, seus espelhos são revestidos com ouro (Au), elemento que melhor reflete essa região do espectro.
No infravermelho, o James Webb poderá investigar o surgimento de estrelas no interior de nuvens de poeira, determinar a massa do buraco negro central da Via Láctea, identificar se as atmosferas de exoplanetas contêm dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) ou água (H₂O). Embora certas combinações desses gases possam sugerir vida, o Webb não é capaz de detectar a presença de oxigênio sem ligações, que é o sinal mais forte para a vida. Além disso, ele é capaz de “olhar para trás”, para mais de 13 bilhões de anos, com o objetivo de observar o espaço de forma ainda mais profunda que o Hubble ao registrar a formação das primeiras galáxias do Universo.
Para realizar essas observações no infravermelho, o James Webb irá trabalhar em uma temperatura abaixo de −220°C e contará com um escudo de 5 camadas, do tamanho de uma quadra de tênis, projetado para bloquear a luz e o calor do Sol, da Terra e da Lua. Ao iniciar as operações científicas em julho de 2022, o James Webb fez uma leitura do espectro da atmosfera do exoplaneta gigante gasoso WASP-96b, um dos mais de 5000 exoplanetas identificados na Via Láctea, a 1150 anos-luz da Terra. Por meio de análises de infravermelho, o telescópio identificou sinais evidentes da presença de H₂O e algumas evidências sobre a existência de nuvens na atmosfera do gigante planeta gasoso que orbita uma estrela distante como o Sol. Apesar de ser improvável que um planeta tão grande e quente quanto WASP-96b hospede vida, os dados iniciais mostram que James Webb é capaz de detectar assinaturas químicas fracas na luz proveniente de exoplanetas.
Os principais conceitos para futuros telescópios espaciais ainda mais poderosos que o James Webb incluem planos para bloquear a luz brilhante da estrela central do sistema solar estudado para, assim, capturar somente a luz que é refletida pelo planeta em uma ideia semelhante a usar a mão para bloquear a luz do sol e poder ver melhor algo à distância. Para isso, os telescópios da próxima geração poderiam usar pequenas máscaras internas a fim de bloquear partes do detector ou velas espaciais grandes, externas, semelhantes a um guarda-sol.
Além do tão badalado James Webb, existem também três enormes telescópios terrestres atualmente em construção e que serão capazes de procurar bioassinaturas na nossa vizinhança galáctica: o Telescópio Gigante de Magalhães, o Telescópio de Trinta Metros e o Telescópio Extremamente Grande da Europa. Apesar de estarem localizados na superfície terrestre, as técnicas de análise, a correção da distorção atmosférica e os equipamentos a bordo desses telescópios são tão avançados que podem ser capazes de sondar as atmosferas dos mundos mais próximos em busca de oxigênio.
Dentre eles, aquele que apresenta a maior expectativa é o Telescópio Extremamente Grande (Extremely Large Telescope, ELT). Ele está localizado no Deserto do Atacama, no norte do Chile e será, quando finalizado, o maior telescópio óptico/infravermelho do mundo. O projeto consiste em um telescópio com um espelho primário de 39,3 metros de diâmetro e será capaz de reunir 100 milhões de vezes mais luz do que o olho humano, cerca de 10 vezes mais luz do que os maiores telescópios ópticos existentes até 2020 e de fornecer imagens 16 vezes mais nítidas do que aquelas obtidas pelo Hubble, além de estar habilitado para detectar moléculas de água e algumas moléculas orgânicas na atmosfera de exoplanetas.
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Química, Biologia e Geologia
Mesmo usando os telescópios mais poderosos das próximas décadas, os astroquímicos e astrobiólogos só poderão detectar bioassinaturas fortes, isto é, aquelas produzidas por mundos que foram completamente transformados pela vida (assim como a Terra é hoje!). Além disso, há uma boa chance de os astrônomos detectarem alguns falsos positivos ao procurar por vida distante. Isso porque, infelizmente, a maioria dos gases liberados pela vida terrestre também pode ser produzida por processos não biológicos: vacas e vulcões liberam a mesma molécula de metano; já a fotossíntese produz o mesmo tipo de oxigênio que a luz solar quando esta divide as moléculas de água em oxigênio e hidrogênio. Para ajudar a descartar esses falsos positivos, os astrônomos precisarão entender a composição do planeta de interesse o suficiente para saber se seus processos geológicos ou atmosféricos podem imitar uma bioassinatura.
Mas, apesar dos possíveis contratempos, os cientistas acreditam que a próxima geração de estudos de exoplanetas tem o potencial de ultrapassar a barreira das extraordinárias evidências necessárias para provar a existência de vida. O primeiro conjunto de dados obtidos pelo Telescópio Espacial James Webb nos forneceu uma noção do progresso alcançado até agora e daquilo que ainda está por vir.
📙 Referência: The Near-Infrared Spectrograph (NIRSpec) on the James Webb Space Telescope – I. Overview of the instrument and its capabilities, Astronomy & Astrophysics, 2022, vol. artigo A80.