O uso de líquidos iônicos, um solvente verde, pode ajudar no combate às mudanças climáticas ao retirar do ar que respiramos o mais famoso dos gases de efeito estufa, o dióxido de carbono.
A assinatura do Acordo de Paris em 2015 por diversos países, um tratado que visava reduzir as emissões de gases estufa a partir de 2020, particularmente o dióxido de carbono (CO₂), foi o primeiro passo na busca por alternativas que tentassem desacelerar o aquecimento global causado pelas atividades industriais humanas. Apesar das pomposas declarações dos chefes de estado, pouca coisa prática foi, de fato, realizada.
Com base nessa ineficiência estatal, pesquisadores ao redor do globo partiram em busca de soluções tecnológicas que pudessem em um primeiro momento, se não reduzir as emissões de CO₂, pelo menos remover o excesso de gás despejado pela humanidade na atmosfera terrestre. Eles desenvolveram técnicas promissoras que consistem em processos de captura direta do ar (Direct Air Capture, DAC), captura e estocagem de carbono (Carbon Capture and Storage, CCS), e captura e utilização de carbono (Carbon Capture and Utilization, CCU), as quais são, hoje, a principal escolha da indústria química para mitigar os efeitos do dióxido de carbono.
Algumas dessas técnicas borbulham o ar atmosférico através de uma solução aquosa de hidróxido de potássio (KOH) ou hidróxido de cálcio (Ca(OH)₂) com o intuito de provocar uma reação química entre os compostos da solução e o CO₂, o que removeria as moléculas de dióxido de carbono do fluxo de ar.
Contudo, tão logo o processo se inicia, carbonatos (K₂CO₃ e CaCO₃) e bicarbonatos (KHCO₃), produtos da reação entre os hidróxidos e o gás, acumulam-se na solução e tornam as reações posteriores cada vez mais lentas. Isso aumenta consideravelmente o consumo de energia e, consequentemente, eleva a emissão de CO₂ na atmosfera uma vez que a maioria dos países ainda possui uma matriz energética dependente de combustíveis fósseis. Por sua vez, o uso de soluções fortemente básicas, como as de KOH e Ca(OH)₂, aumenta os gastos de manutenção e segurança dos reatores industriais além de representar um perigo iminente para o meio ambiente.
Para contornar esses problemas, pesquisadores chineses investigaram uma nova técnica de remoção de CO₂ que envolve o uso de líquidos iônicos bidimensionais. Formados por cátions geralmente orgânicos e ânions predominantemente inorgânicos, os líquidos iônicos são sais assim como o cloreto de sódio (NaCl), porém, ao contrário do sal de cozinha, apresentam uma fraca interação interiônica e, como seu próprio nome já diz, são líquidos à temperatura ambiente.
Mesmo sendo líquidos, a atração entre seus íons é grande o suficiente para que eles tenham uma pressão de vapor praticamente nula, isto é, para que eles não evaporem, o que do ponto de vista ambiental é excelente já que não há emissão de poluentes voláteis durante o seu uso tampouco o risco de incêndio ou explosão no processo. Além disso, os líquidos iônicos apresentam uma diversidade de combinações entre cátions e ânions na casa dos milhões, o que permite sintetizar compostos que tenham basicidade controlada e compatível com aquela desejada pela indústria, um dos problemas das soluções de KOH e Ca(OH)₂. Essas características enquadram os líquidos iônicos na categoria de solventes verdes aplicados em processos industriais que não agridem o meio ambiente e se encaixa perfeitamente em alguns dos princípios da Química Verde.
Ao dispor os líquidos iônicos pesquisados na forma de um filme muito fino (por isso o conceito de bidimensionalidade), os pesquisadores descobriram que a capacidade de captura e armazenamento de dióxido de carbono era superior quando comparada aos resultados obtidos utilizando os mesmos líquidos iônicos na forma 3D, isto é, quando eles estavam armazenados em altos volumes dentro dos reatores (para efeito comparativo é como se os líquidos iônicos 2D fossem uma camada fina de água sobre uma superfície e os líquidos iônicos 3D um copo cheio da mesma água).
Segundo o estudo, a descoberta vai de encontro às práticas incentivadas pela Química Verde já que, além dos líquidos iônicos serem considerados solventes mais seguros, a menor quantidade de material empregado para remover a mesma parcela de gás carbônico pode beneficiar econômica e ambientalmente os processos que visam reciclar o CO₂ que já foi e continua sendo liberado na atmosfera. Esse é um grande passo para que a indústria, em substituição ao petróleo, adote o dióxido de carbono como fonte primária de insumos químicos.
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Referência: Two-Dimensional Ionic Liquids with an Anomalous Stepwise Melting Process and Ultrahigh CO₂ Adsorption Capacity, Cell Reports Physical Science, 2022, vol. 3, artigo 100979.